Carta Três

Dom John Main OSB (1926-1982)
Texto tirado do livro: Letters from the Heart pp. 55-57
Crossroad, 1988, New York.
Tradução: Roldano Giuntoli


Um dos grandes valores da visão de São Bento acerca da vida cristã é aquele da via media, o caminho do meio. Na verdade, a Regra poderia ser resumida nas três palavras de uma de suas frases centrais – ne quid nimis (Regra de São Bento, cap. 64) - nada em excesso. Isto implica na renúncia a todo fanatismo, social ou religioso. O discernimento de Bento era muito profundo, ainda que expressado de maneira muito simples. A essência do fanatismo, ele percebeu, estava no terror do ego em se perder a si mesmo no outro e na sua desesperada tentativa de se defender da intromissão daquilo que R.D. Laing chama de “implosão” da realidade. Em lugar disso, Bento apresentou a seus monges, em termos concretos e simples, o meio de crescer completamente aberto a essa realidade, ou seja, o compromisso com a firme perseverança e fidelidade da oração, tal como uma renovação diária.

A própria linguagem que ele utilizou contém a essência da visão: via media, assim como meditação, se originam do termo medius, o meio ou o centro. É ali que precisamos nos arraigar, é para lá que nos leva nossa peregrinação, é ali que verdadeiramente somos. A própria palavra meditare, nossa palavra meditar, também expressa o meio de seguir esse caminho de centralidade. Seu significado original é o de revolver algo vezes sem conta, repetir. Como você sabe, é pela fiel repetição de nosso mantra, que somos conduzidos e enraizados ao centro de nosso ser.

Enquanto você não tiver empreendido seriamente essa peregrinação e assumido o primeiro de muitos compromissos de permanecer nela, suponho que isso soe como uma doutrina inverossímil, apesar da autoridade da Tradição que está por trás dela. É claro que é um paradoxo que essa renovação interior dependa da imobilidade, de nossa vitalidade e criatividade na firmeza. . . . Talvez seja por isso que aqueles que meditam são os que experienciaram que o que nos deixa insatisfeitos e nervosos, em última análise, a distração e a agitação. A evasão de nossa própria imobilidade interior e realidade interior, que não é nada menos do que a permanente presença pessoal de Jesus, nosso verdadeiro ser, gera ansiedade onde deveria haver liberdade e prazer, gera a prisão de nossa falsa persona onde deveria haver a expansão de nossa própria identidade. [. . . .]

Assim, quando em nossa meditação, nos afastamos do agitado ego de nossos temores, desejos, preocupações e ao contrário, nos aproximamos do Outro, nós realmente nos encontramos em Jesus, fazendo-o na fonte de nosso ser. . . . Essa peregrinação exige a coragem de nos afastarmos do eu. . . Não há descoberta, nem chegada, a não ser na frase de Paul Tillich: atravessamos a “fronteira de nossa própria identidade”.


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