Terça feira Santa

O Evangelho (Jo 13, 21-33.36-38)
Dom Laurence Freeman OSB

Traduzido por Roldano Giuntoli


Na Última Ceia Jesus foi persuadido a identificar o discípulo que iria traí-lo. Trata-se de uma cena dolorosa, quase embaraçosa, íntima. Pedro convence João, o discípulo amado, a perguntar a Jesus quem será o traidor. Jesus indica Judas, e então, em um diálogo misterioso, diz-lhe para ir e fazer o que irá fazer. Jesus então, fala da glória do porvir, e avisa de sua partida. Pedro pergunta para onde irá e se propõe a seguí-lo para qualquer lugar. De fato, Jesus faz então a previsão de que Pedro o trairá antes que a noite termine. Esta não é uma fábula. De maneira dolorosa e complexa, é muito real, para ser um mito. A vida comum, é claro, possui elementos míticos, que elevam o específico à clareza sublime do universal, mas é difícil explicar ou compreender, grande parte da vida e da nossa motivação para agir. A traição é a chave para este Evangelho e uma das chaves para a compreensão dos muitos níveis de significado que nos esperam nos próximos dias.

Passamos pela experiência da traição no casamento, na amizade, em situações do trabalho. Frequentemente, endemoninhamos o traidor, assim como Judas parece ter sido endemoninhado na forma como os primeiros cristãos contaram a história, ainda que o próprio Jesus não o fizesse na história. Quando somos nós o traidor, inventamos desculpas, livrando-nos da responsabilidade com mais facilidade do que o fazemos com outros que nos traem. A própria vida pode, às vezes, parecer ser o traidor. Ficamos desapontados com esperanças frustradas, promessas quebradas, planos destruídos.

Porém, este momento na Última Ceia, oferece uma perspectiva nova, redentora, para esta antiga fonte de sofrimento (tão antiga quanto o Éden). Jesus quase parece instruir ou permitir que Judas o traia, quando diz: ‘faze depressa o que estás fazendo’. Satanás (o acusador ou o obstáculo das coisas) havia ‘entrado’ em Judas, no momento em que Jesus lhe deu o pedaço de pão: um gesto Eucarístico. Essas são colisões entre pares de opostos: o sagrado e o demoníaco, o traído e o traidor. Para enxergarmos o seu significado, necessitamos algo mais profundo do que o mais profundo discernimento psicológico.

Quando Judas parte, ‘com o cair da noite’, Jesus é elevado a um nível de pura claridade e fala da glória que está por vir. A glória de Deus, dizem os mestres cristãos, é o ser humano plenamente vivo. Encontramos a chave para essa conexão misteriosa entre a traição e a glória, no fato de que Jesus se recusa a repudiar ou se desconectar daqueles que o traem ou o rejeitam. A previsível reação humana à traição é, no mínimo, a de se afastar do traidor. Jesus, no entanto, demonstra um respeito infinito pela liberdade humana de tomar as decisões erradas: porque esse é o outro lado da liberdade de amar. Contudo, ele faz mais que isso, porque ele nos segue nas decisões erradas que nós tomamos, para o local que escolhemos adentrar, e antes que nos arrependamos de ir para lá. Ele compartilha nosso sofrimento. Ele endireita o que está errado.

Como é que a meditação expressa isso? Porque quando nos sentamos para meditar, aceitamos que não somos - e jamais seremos - perfeitos. Todavia, nos acolhemos assim como somos. Então, descobrimos que podemos fazer isso porque, ao contrário de tudo o que o ego espera, somos aceitos. A meditação, tal como A Nuvem afirma, ‘resseca as raízes do pecado em nós’.

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