Quarta feira Santa 2009

Evangelho: Mateus 26:14-25
Laurence Freeman OSB
Traduzido por Roldano Giuntoli

Quanto mais forte a luz, mais escura a sombra que ela projeta, quando obstruída. O Evangelho de hoje continua a nos pedir para compreendermos a sombra projetada pela luz de Jesus, ao atingir a resistência do ego. Temos uma versão diferente da traição de Judas, mas que aponta para o mesmo discernimento, sábio e compassivo de nós mesmos, que nos foi oferecido ontem. As diferenças entre as versões evangélicas da história da Páscoa demonstram que aqui não se trata de um relato do ponto de vista legal ou noticioso e que foi compilada através da tradição oral, transmitida em comunidades vivas, ao longo de algumas gerações. A verdade está na compreensão.

Mateus escrevia para uma comunidade que ainda podia ser descrita como judáico-cristã. Sua referência ao primeiro dia em que se comiam os pães ázimos, teria identificado, de maneira muito clara, o contexto da Última Ceia. Tanto as associações bíblicas quanto o simbolismo, estariam óbvios. Nós, como herdeiros da terrível divisão entre o Cristianismo e sua religião mãe, precisamos elaborar um pouco para recuperar as nuances do significado.

A levedura era encarada como sendo um símbolo de tudo o que é agente de desintegração e de corrupção: pecado. Na fabricação do pão fermentado, o costume não era o de usar levedura nova, mas o de tomar um pedaço de pão velho e adicioná-lo à nova massa. ‘Cuidado com a levedura dos fariseus’, advertiu Jesus. Ele também se utilizou da idéia em um sentido positivo, é claro, quando comparou o reino de Deus à qualidade fermentadora da levedura, que uma mulher tomava e misturava à massa. Estes significados nos ajudam a compreender a história da Páscoa, e seu tema do pecado: o cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo, fazendo com que a divina lei da graça tenha precedência sobre a lei natural do karma.

Para nós, o pecado passou a ter um conceito legalista, mas seu significado cristão não é o de uma quebra da lei, mas o de ‘errar o alvo’. E sua cura não será a punição, mas a graça. ‘Onde há pecado, a graça é ainda mais abundante’. Judas, infelizmente, não entendeu isso. Pedro, aquele que era muito falível e, de alguma maneira, todos os discípulos, também traíram a Jesus; porém, eles se arrependeram, enquanto Judas, se desesperou. Na Ressurreição, eles simplesmente foram elevados para fora e para além da armadilha em que eles haviam caído. Os Padres do Deserto identificaram os oito principais vícios que atormentam a mente humana, ajudando-nos a compreender o que deve ter acontecido.

Duas das falhas, a tristeza e o desânimo, são estados mentais que todos experimentamos e que qualquer meditante reconhece. Cassiano diz que a tristeza que surge da raiva, assemelha-se à mariposa que se alimenta de tecido, ou ao verme que destrói a madeira. Ela pode nos devorar por dentro. O desânimo é uma variação disso, surgindo de uma sensação de derrota na vida espiritual, sem que tenha havido nenhum retorno para a nossa doação de tempo e de si mesmo (0% de retorno sobre nosso investimento). Os sintomas disso não são um segredo: a aversão às pessoas, a falta de interesse, a inquietação, a falta de moderação, tornar-se altamente crítico.

Cassiano nos diz que a cura para esses estados é a meditação e o trabalho, especialmente o simples trabalho manual. Estou escrevendo, aqui na ilha de Bere, enquanto olho para fora, para um jardim ensolarado, repleto de felizes integrantes do retiro, que estão cavando, plantando e podando. Melhor do que continuar teorizando, eu deveria me juntar a eles.

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