Quinta feira Santa 2009

Evangelho: João 13:1-15
Laurence Freeman OSB

Traduzido por Roldano Giuntoli


Não nos é permitido escapar à sombra, da qual somos lembrados em cada dia da Semana Santa até aqui. O ego ainda está presente na referência à traição de Judas e à resistência de Pedro em permitir que Jesus lavasse seus pés. Porém, hoje a ênfase está na demonstração do ‘amor perfeito’ que Jesus carrega consigo e que o leva a se aprofundar nos mistérios do Tríduo.

Seu amor aparece quando ele se dá conta que sua hora chegou. O momento da verdade que confrontamos face a nossa iminente mortalidade nos torna simples e focados. Assim como as pessoas que estavam nos aviões ou nas torres gêmeas, no dia 11/09, ligaram para seus entes queridos, momentos antes da morte, simplesmente para dizer ‘eu te amo’. Todavia, o momento da morte também pode ser encarado como todo momento, nossa passagem do passado para o futuro, no fluxo de consciência a que chamamos tempo. São Bento dizia que devemos sempre manter a morte à nossa frente, porque essa é a maneira de vivermos o presente. A prática diária da meditação possui precisamente esse efeito cumulativo.

O sacramento perdido do Cristianismo, tal como Jean Vanier se refere ao Lava pés, possui uma suprema qualidade do simples agora. A tradição cristã o tornou clerical, mas hoje à noite, na Missa da Ceia do Senhor, à medida que os participantes do retiro se juntam aos ilhéus, nos dividiremos em pequenos grupos, de modo a cada um lavar os pés de seu vizinho. Nesse ponto, São João nos dá um vislumbre do auto-conhecimento de Jesus, que sabia ‘que o Pai tudo pusera em suas mãos e que ele viera de Deus e a Deus voltava’. Mimi, a filha de um dos participantes deste retiro, com sete anos de idade, me escreveu uma lista de perguntas, antes de minha palestra desta manhã. Uma delas nos leva ao fulcro deste mistério de como Jesus se entendia a si mesmo: ‘Somos tão especiais quanto Jesus?’ Não é isso precisamente o que Jesus quer que sintamos?

O lava pés é um gesto mundano que precede a instituição mística da Eucaristia: este é o meu corpo, este é o meu sangue. Esse equilíbrio entre a consciência dos hemisférios esquerdo e direito, é essencial para todo caminho espiritual, e na verdade, para a simples sanidade. Eles se apoiam na verdade universal de que ‘forma é vacuidade e vacuidade é forma’. Todas as coisas, formas, são impermanentes e interdependentes. Mesmo assim, vacuidade não é uma coisa (e também, não é nenhuma coisa) e está presente na forma, exceto no mistério sem forma do Pai, cuja forma é o Filho (e ‘aqueles aos quais o Filho decide revelá-lo’).

O Lava pés, assim como a Eucaristia e a Cruz, é um completo esvaziamento do si mesmo, na dádiva incondicional e ilimitada do ser: um ato divino levado a efeito através de Jesus, na qualidade de Verbo de Deus encarnado. Chegar perto demais de uma pessoa que realiza a vacuidade, amedronta e é perigoso. Não nos admira que Pedro resista, desejando manter Jesus a uma distância adorável, segura. Jesus, energicamente, não admite isso. Seus discípulos devem mergulhar em sua vacuidade, morrer para o si mesmo, com ele.

Tudo isso é muito fácil dizer, até mesmo não tão difícil entender, mas experienciá-lo leva a uma explosão em amor, do universo que construímos, com todas as nossas fronteiras, cuidadosamente defendidas. A meditação e os mistérios da liturgia, nos levam a este discernimento. Quão diminuída está a nossa cultura, por causa da falha da Igreja em manter o verdadeiro significado e a intenção de ‘se ir à igreja’. Como os discípulos de Cristo, somos instruídos a não apenas nos sentarmos em meditação, buscando essa vacuidade (isso também!), mas também colocá-la em prática em nossa vida diária, em todas as formas que a vida toma.

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