Capítulo I

O Yoga do Desalento de Arjuna

Dom Beda Griffiths, O.S.B. (1906-1993)
Tradução: Roldano Giutoli

Cada capítulo do Bhagavad Gita se ocupa de um yoga específico. Este primeiro capítulo denomina-se “o yoga do desalento de Arjuna” e, é significativo que a experiência do desalento seja um yoga; freqüentemente, o desalento é o primeiro passo no caminho da vida espiritual. É muito importante passarmos pela experiência do vazio, da desilusão e do desalento. Muitas pessoas não acordam para a realidade de Deus e, para a experiência de transformação em suas vidas, enquanto não chegam ao ponto do desalento.

O termo “yoga” é uma das palavras básicas do Gita. Possui muitos significados, porém, a raíz da palavra é a mesma da latina yugum, da inglêsa yoke e da portuguêsa “jugo”. O significado normal é “união” ou “integração”, que remete ao objetivo, mas, é importante compreendermos que os passos que damos para nos aproximar da união também são yoga. A união é principalmente a união com Deus, mas, ela envolve a unificação ou a integração de todos os aspectos de nosso ser.
O texto do capítulo 1 se inicia com dois exércitos preparados para a batalha, de um lado os Pandavas, do outro os Kauravas. Arjuna está sentado em sua carruagem em meio às duas linhas de frente.

A circunstância da guerra assim foi descrita por Krishna Prem: “Os Pandyas são cinco irmãos que têm direito ao trono, porém, o trono foi usurpado por Dhritarashtra, rei dos Kauravas e, por seu filho Duryodhana. Os Pandyas foram condenados ao exílio, como resultado de perderem um jogo de dados. Então, ao voltar de seu exílio, eles reclamam seu direito ao trono novamente, mas, não recebem resposta satisfatória. Isto conduz a Mahabharata, a grande guerra.”

Desde os tempos antigos, esta batalha tem sido interpretada simbolicamente: de um lado do conflito, os Pandavas representam os virtuosos e, do outro os Kauravas representam os iníquos. O campo de batalha é o mundo e, Arjuna representa a alma humana sentada na carruagem do corpo, empenhada na batalha da vida. Os Pandavas, os legítimos soberanos, são o verdadeiro Eu. Eles foram exilados da terra e, seu lugar foi usurpado por Dhritarashtra, o rei cego, de quem se diz ter cem filhos. Ele representa o ego egoísta, com sua progênie de inumeráveis paixões e desejos.

O simbolismo aqui é o de que, no atual estágio do ser humano, o reino foi derrotado e, o legítimo rei, exilado. O Eu não mais está no controle e, este falso governante que usurpou o trono, o ego, domina o ser humano. Arjuna está nessa situação. Ele vê, perfilados no outro lado, todos os seus parentes e amigos e, até mesmo, seu professor, Drona, e sua resposta é: “Como posso lutar contra meus próprios amigos?” Aqui também, temos a natureza humana. Estamos divididos contra nós mesmos. Arjuna sente que não pode enfrentar essa batalha e, desesperado, ele depõe suas armas dizendo: “Não lutarei”.
Nesse ponto, Krishna aparece como o condutor de sua carruagem. A imagem aqui é a de que a carruagem representa o corpo, Arjuna representa a alma e, Krishna, o condutor, representa o espírito que dirige a carruagem. O Senhor Krishna é a manifestação do espírito interior, que agora aconselha Arjuna, no modo em que ele deve se empenhar na batalha da vida. Aqui, logo de início, temos a principal constelação de temas com os quais se ocupa o Bhagavad Gita: como enfrentar a batalha da vida, como o espírito nos aconselhará e, como cada um de nós empreenderá essa batalha.

Então, a batalha se desenrola no campo da natureza humana. Os poderes espirituais no homem foram forçados ao exílio e, o trono foi usurpado pelo rei cego que representa o ego, que é cego e usurpou o trono da alma, expulsando os poderes espirituais que deveriam estar no comando.

Interessante é o aspecto de que os Pandavas estiveram no exílio por doze anos, na floresta, após o que eles tiveram que se manter incógnitos por mais um ano e, só então, poderiam eles voltar para reclamar o trono. Isto possui um profundo significado simbólico. O exílio na floresta se assemelha à imagem de se ir ao deserto. Encontramos o simbolismo do deserto em muitas tradições espirituais. O buscador espiritual é forçado a sair do mundo, assim como os israelitas foram forçados a sair do Egito, para o deserto, onde vaguearam durante quarenta anos. Por volta do fim do período do deserto, chega o ponto em que os poderes do espírito parecem desaparecer e, os poderes da matéria, ou demoníacos, parecem estar em pleno comando. É característico que antes que se dê a grande renovação, os poderes espirituais parecem chegar a seu ponto mais baixo e, o ilegítimo poder demoníaco parece estar em supremo comando. Esta é precisamente a situação aqui. Os Pandavas passaram por essa “noite negra da alma” e, agora, ao voltar para reclamar o reino, não conseguem chegar a um acordo com os usurpadores. Este é um ponto muito significativo, que simboliza que nunca se pode chegar a um acordo no nível da alma humana, porque a alma está, ela mesma, tragicamente dividida contra si mesma.

Assim, no campo de batalha, Arjuna vê que seus inimigos são seus amigos e parentes. Ali há Bhishma, o irmão de seu avô e, Drona, que é seu guru, seu professor e, Arjuna compreende que está dividido contra si mesmo. Aquele é o apuro humano. Na batalha da vida, estamos divididos contra nós mesmos e, o ponto é que não há, na verdade, solução para os problemas da vida, no nível humano. Enquanto Arjuna estiver confrontando-se com a batalha simplesmente por si mesmo, não haverá resposta. É apenas quando Krishna, o Espírito, o Senhor, começa a aconselhá-lo, que pode ser encontrada uma resposta. O que se pede a Arjuna, e o que é tão difícil, é que ele deve lutar. Ele diz: “Terei que matar todos eles, meus parentes e amigos”. Este é o problema. Quando somos solicitados a desistir do mundo e, a lutar contra nossos instintos, paixões e desejos, nos parece não restar mais nada, como se estivéssemos no deserto.
Isso evidencia um dos problemas perenes da vida espiritual. Nós desistimos do Egito, desistimos do mundo e dos prazeres dos sentidos, desistimos das aparências e nos dirigimos para o deserto. Então, nosso estado é o dos que perderam o mundo, mas, não nos parece termos ganho nada. É por isso que Arjuna está desesperado. Ele solta suas armas e se recusa a lutar, pois não lhe parece haver nada pelo que se lutar. Mesmo que vença, ele terá apenas matado todos os seus inimigos que também são seus amigos.

O que todos nós precisamos aprender, é que não há resposta no nível humano, para os problemas da vida humana. Enquanto fôr uma questão da alma humana, do corpo humano, da situação humana, não haverá resposta que se possa encontrar e, tudo o que poderemos fazer será jogar nossas armas e dizer: “Não lutarei!” Só quando o Espírito interior começa a falar, a resposta começa a ser encontrada.

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