Domingo de Páscoa

"O Domingo de Páscoa dura oito dias, a Oitava da festa maior que estica o tempo litúrgico, para nos manter focados no presente. Isso ajuda a justificar o envio da mensagem de nosso retiro com um dia de atraso, no tempo secular. A outra razão é dupla: uma Vigília que terminou tarde e recomeçou muito cedo.

Os participantes do retiro e os ilhéus reuniram-se na igreja para a primeira Vigília de Páscoa da ilha de Bere, em muitos anos. Ignorando os avisos recebidos, iniciamos o fogo da Páscoa em um velho carrinho de mão, nos degraus da igreja. Rugia quando chegavam as pessoas, mas, então, queimou o fundo do carrinho e começou a consumir o pneu de borracha. A interpretação teológica nos chegou mais tarde de Giovanni: o amor de Deus que consome tudo o que ama, o combustível e o fogo tornando-se um. Naquele momento, nos posicionávamos de acordo com os ventos que mudavam de direção, para evitar a fumaça negra. Acredito não haver nenhuma menção de fumaça na descrição da sarsa ardente. Porém, sob a luz da lua cheia que apenas se elevava, o carrinho incendiado acendeu a vela da Páscoa e em seguida as cerca de cem luzes que cada um de nós carregava, em procissão para a igreja, de modo a mais uma vez ouvirmos a antiga história, cantarmos as esperadas aleluias e uma adaptação de Leonard Cohen, mergulharmos a vela na fonte, celebrarmos a Eucaristia e meditarmos.

Às 5:30 da manhã seguinte, nos reunimos na fria e tumultuada escuridão, no meio de uma elevação, alinhados, olhando para o mar. Tal como adoradores neolíticos, nos precipitamos ao redor do menhir, a pedra da qual se diz estar posicionada no exato centro da ilha. Não o centro matemático, ao que parece, mas, talvez, um outro tipo de centro.

Formávamos um corpo de Cristo, bem humorado, tiritante e risonho, quando cantamos cânticos e hinos, a começar pelo gayatri cósmico, evoluindo para a música cristã que, tanto expressa, quanto alimenta nossa fé. Quando o horizonte se iluminou, fizemos a leitura do evangelho de João, dos discípulos que descobriram a tumba vazia, de Maria, que ficou para trás chorando e ouviu-se chamada no reconhecimento de Jesus. No lento amanhecer, um corpo se comprimiu ao meu, identificando-se como um ilhéu e, outro, como uma nova e recente adição a nosso retiro, vindo de Praga. A Ressurreição possui um momento na história, do contrário não teríamos conseguido ser por ela tocados, mas, nunca deixa de se expandir.

Morrer leva sempre ao renascimento, esta é a lei do karma e da física. A energia não pode ser destruída, apenas re-formada. Porém, se adentrarmos a morte com fé, ativos em amor, nos asseguram (e, na ressurreição estamos convencidos) que não será renascimento, mas, ressurreição, o que se seguirá. Uma libertação do compulsivo ciclo de nascimento e morte, para o momento do Cristo do dia eterno, o Eu Sou de Deus.

Ao deixarmos a ilha com a balsa, ontem à tarde, conversei por alguns momentos com o piloto, Colm, cujo filho se afogou há três semanas. Era a primeira vez que o via depois de sua tragédia, de trágica familiaridade para ele, também, pois anos atrás seu irmão também se afogara. Sua face enrugada, sulcada por décadas de trabalho como piloto de balsa em todo tipo de clima, e, seus olhos claros, não se esquivaram ao transmitir seu pesar, descrevendo-o completa e abertamente, de modo impressionante, em tão breve espaço, mas, dizendo apenas, na verdade, que não há palavras, não há explicações. Não há palavras para descrever uma tal perda, assim como não há palavras para descrever uma tal esperança, como a que a Páscoa insiste em dar.

Talvez, a antiga fé, renovada a cada ano, tal como ora fizemos e, ainda fazemos, abraça e encontra o espaço para todas as dúvidas que nosso caráter mundano e, às vezes, nosso interesse pelos assuntos mundanos, tornam inevitáveis.


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