Letônia






Letônia
Laurence Freeman OSB
Abril de 2007
Tradução: Roldano Giuntoli

Ao ouvir o seu canto, imaginei fosse uma grande multidão. Ao virar a esquina da rua de paralelepípedos, percebi ser um grupo de nacionalistas letões, de dimensões modestas, jovens e velhos, reunidos no frescor da manhã ensolarada, em frente ao palácio presidencial, no centro antigo da capital, Riga. Seu canto possuía uma tristeza eslava ao inescapável sofrimento da vida, assim como uma coragem desafiadora e quase alegre, de não se deixar derrotar por aquela tristeza. O resultado era uma sensação de beleza remanescente ou recém perdida, tal como na missa da Ascensão, no dia seguinte, na catedral católica, onde se podem ouvir os cantos ortodoxos escondidos pelos hinos cantados em latim. Visto que para mim, os cartazes e os cantos eram apenas atmosféricos, imaginava do que aquela demonstração poderia ser a favor, ou mais provavelmente, contra. Esperei para ver se algo iria acontecer. Continuava intensamente, ainda que de boa índole e polidamente, enquanto os policiais conversavam entre si e os manifestantes iam e vinham, carregando copos de um café das redondezas. Descobri depois tratar-se de um protesto contra a assinatura de um tratado que devolvia à Rússia uma área de terras longamente disputada, sem valor estratégico, ocupada por habitantes de língua russa, como de resto, metade do país o é. Sem dúvida, me garantiram, a Letônia havia conseguido disso, um favorável acordo, em troca de petróleo. De modo que isso não era visto, ao menos pela maioria, como uma derrota mas, meramente, como parte do jogo político. Os cantores daquela fresca manhã ensolarada deviam ter uma perspectiva diferente, mas eles ainda eram todos letões.

A Letônia foi, desde há muito tempo, a cabeça-de-ponte entre a Europa e a Rússia e poderá chegar à conclusão que essa história terá importância para seu futuro. Sua identidade histórica é mesclada. Ela é uma das três diferentes tribos bálticas, próxima aos escandinavos, europeus ocidentais e à Rússia, e foi por muito tempo moeda de troca dos tratados das grandes potências, sem nunca perder sua identidade. Em 1918 finalmente, foi elevada à categoria de estado. Vinte anos depois, teve início a ocupação dos fascistas e dos comunistas, que durou cinqüenta anos. O Museu da Ocupação, que foi minha única incursão turística em meio às palestras, apresenta o longo pesadelo, em fotografias e mostras de casos. O museu era uma inadequada tentativa de recontar algo inexplicável, a pessoas que não podem e, nunca conseguirão, entender completamente o que se está tentando dizer. Porém, mesmo essas duras recordações são superficiais, se comparadas à profundidade das tradições que sobrevivem dentro da complexa cultura e, das línguas que se mesclam, neste pequeno e agradável país, que se esforça para encontrar sua auto-confiança em um mundo globalizante. Mais tarde, Mary McAleese, a presidente da Irlanda, veio para uma visita que permitiu aos dois países, de experiência similar no que tange à imigração, um já lidando com o sucesso e o outro ainda sonhando com ele, refletirem sobre as vantagens do tamanho reduzido, em um mundo de crescente gigantismo.

A Letônia é um dos poucos países religiosos remanescentes na Europa. Por ter resistido ao comunismo, sua fé é vigorosa e aberta. Católicos, ortodoxos russos, luteranos, batistas e crentes antigos (cristãos ortodoxos do século XVI) compartilham o nacional acesso ao divino, com genuína amicabilidade, ainda que os russos ortodoxos sejam mais orgulhosos. O Arcebispo luterano só foi batizado com vinte e quatro anos, um dos muitos que encontraram a fé em uma conversão radical e a muito custo, durante ou após a era comunista. Ele é muito amigo de sua contra-parte católica e o relacionamento deles ajuda a explicar o caloroso clima ecumênico. O Cardeal Pujats, com muita elegância disse, em latim, que a igreja da Letônia é muito tradicional, algo que eu havia pressentido durante a tarde anterior de preces e discussões no seminário. Porém, não é o tradicionalismo que você irá encontrar em seminários de outros lugares, aquela confusa tentativa de se voltar o relógio para certezas imaginadas. Aqui há tradição real e vivente, um pouco fora de moda (e, por que não?) mas, não retrógrada. O seminarista que me agradeceu ao final da tarde, disse-me que eles estavam um pouco preocupados, inicialmente. Será que eles iriam ter que se confrontar com o “budismo” numa palestra sobre “meditação”. Ainda é uma palavra difícil de se definir em alguns contextos. Porém, disse ele, eles logo viram tratar-se realmente de prece, na tradição cristã e além disso, uma prece que unia as igrejas do ocidente e do oriente, algo em que eles estavam especialmente interessados. Agradava-lhes aprender qualquer coisa que representasse experiência mais profunda de sua fé. Este pareceu ser o tipo de tradição, sobre cujo fundamento se pode construir um futuro.

Todavia, para toda generalização, existe uma contradição. Perguntei, em uma aula na universidade, com uma centena de estudantes, quantos se consideravam religiosos. Ninguém levantou a mão. Perguntei, quantos se consideravam espirituais, cerca da metade respondeu. Então, perguntei se havia ali alguém que fosse anti-religioso. Um se apresentou, com um sorriso audacioso. Foi uma adição à magra e resistente diversidade do egoísmo.

0 comentários: