Nova Zelândia






Nova Zelândia
Laurence Freeman OSB
Abril de 2007
Tradução: Roldano Giuntoli

As primeiras luzes de cada dia neste planeta nascem na Nova Zelândia. Para muitos visitantes e, para muitos habitantes, daqueles para os quais um dos significados daquela complexa palavra “lar” ainda é a Inglaterra, ela poderia parecer uma pequena parte verde de Albion [1], brilhando nos mares prateados do sul do Pacífico. Visitantes ingleses que se lembram de um universo ordeiro e calmo, de cruzamentos zebrados e “belisha beacons” [2] e com ainda maior saudade, de motoristas que neles param para dar passagem a pedestres, poderiam se perguntar se este não é o lugar para o qual o lar migrou. Porém, esta também é uma terra de iniciativas. A primeira mulher bispo apareceu por aqui. Os Maoris, que recentemente recuperaram algo de sua impressionante cultura e, ganharam um genuíno, ainda que tardio, respeito de seus invasores, ensinaram aos europeus e, ao resto do mundo, valiosas idéias sobre justiça restauradora, tratando a justiça como um assunto comunitário, que se ocupa de indivíduos e, não apenas um assunto impessoal de estado.

Aqui a vida é mais lenta e quieta, ainda mais, quanto mais ao sul viajarmos. Estresse, engarrafamentos de trânsito e poluição existem, do contrário, dificilmente esta poderia se considerar uma nação moderna, porém, são menos intensos aqui. Muitos europeus e norte-americanos sentem-se atraídos à Nova Zelândia pelo estilo de vida, que não tem aquele zumbido agudo de suas grandes cidades, mas, que emite, em vez disso, um fascinante e indefinível murmúrio. Policias são mais amigáveis e, não economizam seu tempo para te ajudar, com evidente prazer ao fazê-lo. Quando pessoas de diferentes partes do país se encontram, como aconteceu nos três dias de nosso retiro silencioso em Auckland, eles adotam aquela imediata e necessária união, que sempre caracterizou o relacionamento de viajantes durante uma parada ou, de imigrantes em uma terra distante.
Normalmente, no início de um retiro de silêncio, podemos ouvir o repentino estrépito da parada das engrenagens mentais, à medida que as pessoas se movimentam para pistas mais lentas e, oscilam por um tempo entre uma e outra pista. Aqui, a transição parece menos traumática e, o silêncio mergulha fundo desde a primeira sessão. Aqui, não precisei dizer que uma diferença entre as meditações cristã e budista, é que na meditação budista as pessoas não tossem.

Quando você passa alguns dias confinado a um espaço restrito, andando de um lado para o outro, dentro de algumas poucas centenas de metros, da capela para o auditório, para a sala de refeições, meditando seis vezes ao dia e, se alimentando em silêncio, você passa a conhecer o espírito do local e, a prestar atenção a coisas que, normalmente, são descartadas pela mente filtrante. As grandes samambaias nativas da Nova Zelândia, carregam uma lembrança de um passado distante, na medida em que elas estão entre os mais antigos exemplares de vegetação da Terra. A folhagem da samambaia, o embrião apertadamente enrolado sobre si mesmo, compactando em um pequeno espaço, o que virá a ser a poderosa samambaia, parece-se ao bastão episcopal, uma versão evoluída da varinha de condão. Ela é freqüentemente representada na arte Maori. Uma terra de “Belisha beacons” e varinhas de condão. Não nos surpreende que esse país tenha sido visto como o que mais se aproxima da imaginária “Terra do Meio”, de Tolkien, ou, que a película tenha sido filmada aqui. Os Hobbits levam o chá a sério e, gostam de cozinhar sua primeira refeição da manhã.

Ao trilhar o caminho do meditante, especialmente cedo pela manhã e, ao entardecer, eu imaginava se o operador da câmara teria precisado usar um filtro, para obter a aparênca sobrenatural da paisagem. A luz aqui, não apenas chega primeiro, mas, permanece viçosa e suave. Especialmente quando atravessa as samambaias, ela possui um brilho de ouro verde. Ela parece emergir ou, descer flutuando, de alguma difusa fonte de luz. Perto do retiro, há um dos muitos cones surreais de vulcões extintos, que ponteiam a paisagem e a cidade. Hoje coberto de gramíneas e grandes árvores e, com os terraço dos antigos Maoris, do tempo em que era sua fortaleza, ele parece pulsar um verde, mais verde que o verde. Quando a luz do sol segue para o outro lado do globo, estrelas de brilho pouco comum, aparecem emitindo um outro tipo de luz, na escuridão da espera, à medida que caminhamos de volta a nossos quartos pela última vez, a cada dia.

Antes de deixar o país, para seu maior e mais barulhento vizinho, me encontrei com a conferência dos bispos da Nova Zelândia, sem suas varinhas. É uma pequena conferência e, talvez seja por isso que eles são bons ouvintes. Eles parecem não economizar seu tempo, não apenas para pregar, que é o que eles devem fazer, mas também, para assistir às pessoas que eles servem e, para captar o que o Espírito possa estar sussurrando. Talvez haja nisso, a alvorada de um novo tipo de igreja. Samuel Butler escreveu um romance sobre a Nova Zelândia, intitulado Erewhon (=Nowhere - lugar algum). Lugar algum, na jornada contemplativa, significa que você está chegando a algum lugar. Eles se sentem muito distantes de todos os lugares, com os dedos da ilha do sul fazendo cócegas na Antartida, mas, talvez eles estejam mais perto do que imaginam e, mais quentes.

[1] N. do T.: O mais antigo nome dado ao que hoje é referido como Grã Bretanha, ou algumas vezes Reino Unido, ou ainda Inglaterra.
[2] N. do T.: Sinalizadores compostos de um globo piscante cor laranja, posicionado no topo de um alto poste branco e preto, colocados de cada lado das faixas de pedestres, comuns no Reino Unido.

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