"O Grande Silêncio" - O Filme






O Grande Silêncio

Laurence Freeman OSB
Fevereiro de 2007
Tradução: Roldano Giuntoli


Pode ter sido devido à repentina mudança para a lentidão do filme, ou ao jantar que imprudentemente aproveitei antes de assistí-lo, mas, senti sono durante toda a primeira meia hora do filme O Grande Silêncio, a apresentação, com três horas de duração, da vida na solidão Cartuxa de La Grande Chartreuse. Assim como outros milhares de pessoas que afluíram para assistí-lo na Europa, fazendo dele um prodígio cinematográfico e, um sucesso bizarro, fui atraído por muitos convites e comentários, para ver por mim mesmo, o porque de um filme sem enredo, nem mesmo um filme sobre migração de pássaros ou de pinguins, mas, sobre os mais enclausurados monges Cristãos, poderia ter tocado tão profundamente uma cultura tão atraída por sensações como a nossa.

O diretor do filme entrou em contato com o abade, para pedir-lhe a permissão de viver no mosteiro e filmar sua vida, dezessete anos antes de realizá-lo. Ele não recebeu propriamente uma recusa, mas, foi-lhe dito que eles não estavam prontos, ainda. Quinze anos depois o abade entrou em contato, para lhe dizer que agora eles estavam prontos. Não conheço o raciocínio do abade, porém, admirei seu senso de oportunidade, pois a comunidade estava realmente pronta para dar testemunho, com notável inocência, acerca do mistério da vida contemplativa e do enigma do caminho vivido nos mosteiros.

A câmera se encontra na solidão da austera cela de um jovem monge, assistindo mas, de algum modo, sem se intrometer em seus ciclos de orações, as sessões de quinze minutos de joelhos e em pé, sua leitura, sua alimentação seriamente concentrada. Como um espectador, você é levado a sentir a estranha intimidade da mais elevada midia de nossa era, o voyeurismo deste olho que reduz tudo a objetos, a irmandade bigbrother de sua habilidade em tornar atraente o mundano. O filme se movimenta tão lentamente quanto a vida de seus protagonistas e, não se esforça mais do que os mesmos para justificar sua existência. Não há estrelas. Não há dramas. Não há crises vocacionais. Nenhum lamento por caminho que se deixou de tomar. É difícil dizer se há ou não alguma pincelada de romantismo. O que omite, parece não ter existência, não ser escondido. E, o que se revela é um cintilante vazio.

O único momento pouco à vontade do filme é o de um período de recreação comunitária formal, mas, pergunte a qualquer noviço e, ele lhe dirá que estes podem ser os mais difíceis de todos os momentos monásticos. As brincadeiras e escorregadas na neve durante a excursão da comunidade, parecem verdadeiramente pueris, filmadas a uma distância discreta, o que faz com que a solidão de sua vida nos pareça ainda mais cósmica, como se fora a plantação de uma humanidade escolhida numa nave espacial que se dirige a um novo planeta. A intervalos generosos, há retratos animados de monges que observam as lentes silenciosamente, com uma estranha despreocupação. Os rostos são jovens e ávidos, velhos e cansados, inteligentes e, um pouco estúpidos. Não há julgamentos ou favoritismos. Eles são como é a vida. Ao final do filme, um monge velho e cego nos diz como sua perda de visão o ajudou a ver melhor a Deus.

A princípio, pensei que a popularidade do filme se devesse à ilustração de um estilo de vida alternativo. A menos que tenham escolhido morrer, o que pode acontecer, os mosteiros normalmente buscam ou esperam vocações. Porém, as exibições vocacionais raramente representam a vida Cartuxa. É uma vida muito pouco comum. Mas, para muitos hoje, seus estilos de vida insatisfatórios e, o crescente senso de horror com o que estamos fazendo com o nosso planeta, sugerem uma armadilha, uma perda de liberdade em um mundo de escolha infinita. Aqui, vemos algo verdadeira e completamente diferente. Pode não atrair muitos candidatos, mas nos mostra que temos mesmo liberdade e, que podemos utilizá-la para a felicidade. Em segundo lugar, o que está sendo mostrado é, talvez, o único tipo de experiência religiosa que hoje se percebe como sendo autêntica. A vida desse mosteiro, ao menos do modo como é mostrada nesse filme, sem apregoar dogma, mas, ainda assim, construída sobre fé e crença, sem buscar reconhecimento ou convertidos, sem moralizar ou julgar, possui uma qualidade tipo zen de ser. Tal como em muitos períodos do passado de crise social e, de turbulência religiosa, são a solidão e o silêncio que aparecem de maneira salvadora na tela do radar da cultura. A vida silente e solitária (conjuntamente sós) testemunha mais eloqüentemente a verdadeira natureza do Deus pelo qual todos estão em luta.

Em terceiro lugar, diz respeito a mais do que religião. É uma história de amor. Este é o segredo do filme. Os monges parecem felizes, mas, não estão amando uns aos outros. Se eles se amam entre si, é porque amam a mesma invisível, ainda que aparentemente sempre presente pessoa. Sem ter sido nomeado, sem ter sido visto, sem nem mesmo ter havido conversa com Ele, Deus se apresenta em todas as cenas. A princípio, partimos do pressuposto que são os atores visíveis, os amantes. Lentamente, lança-se a luz sobre o aspecto de que eles são espelhos. O amor de que falamos, não é nosso amor a Deus, mas, o amor de Deus por nós.


  • Confira a página oficial do Filme "Into Great Silence" (em Inglês):
http://www.diegrossestille.de/english/

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