Páscoa, 2007

Dom Laurence Freeman OSB
Mensagem de Páscoa, 2007
Tradução: Roldano Giuntoli


Queridos amigos,

Recentemente alguém me perguntou o que é que Jesus trouxe ao mundo em caráter exclusivo? Me surpreendi respondendo com a palavra “toque”. Ele não trouxe uma nova filosofia ou moralidade, tanto quanto uma nova capacidade de experienciar Deus na totalidade de nosso ser, mente e percepção humanos. O toque nos lembra de nossa integralidade. Nenhuma de nossas partes pode ser rejeitada ou diminuída, sem que a divina beleza da criação seja desonrada. De acordo com o que Pe. John Main nos ensinou, uma das razões pelas quais a meditação nos abre uma nova maneira de “verificar as verdades de nossa fé”, é simplesmente que, quando meditamos, só podemos fazê-lo como uma pessoa integral. E, a integralidade é o efeito cumulativo da prática diária. Integralidade é uma percepção em expansão da realidade e, da integração com outros. Esses aspectos da evolução espiritual dão sentido à salvação, não como uma suspensão de pena capital, mas, como vitalidade, saúde completa e, abundante bondade natural.

É por isso que dedicamos um tempo especial para a ponderação sobre o significado da Páscoa, à luz da experiência da meditação. É também por isso que fazemos a lectio e, porque compartilhamos nosso entendimento uns com os outros. Esse tipo de entendimento se desenvolve em nós a partir do centro do coração, mais do que apenas do intelecto. Por mais “espiritualizados” que sejamos, necessitamos do ritual, do simbolismo sagrado, da repetição comunitária da história da fundação, de modo a nos sensibilizarmos em relação às muitas maneiras mais sutis em que o conhecimento espiritual pode se desdobrar.

É esta abrangente e fiel percepção do toque, que fundamenta a imensidade dos mistérios da Páscoa ao longo destes três dias sagrados, o Triduum. Amanhã vemos a corporificação da Eucaristia e, sua conexão com o serviço mútuo no “sacramento perdido” do lava-pés. Na sexta-feira Santa, vemos chocados, como o toque também pode ser corrompido de modo a deliberadamente causar dor e, como, ao fazê-lo, diminui seu responsável, prendendo-o em sua própria escura ignorância. Mas, também vemos que o profundo toque interior de amor, que nunca deixou de ser a suprema realidade da consciência de Jesus, não precisa ser disseminado pelo sofrimento. Com pregos em suas mãos e pés, ele pediu ao Pai por perdão. Perdão é uma maneira de tocar aquele que nos afasta e, assim, de restaurar a vital conexão humana com o que foi perdido.

Só no Sábado Santo é que a dádiva do toque nos abandona. Sentimos o estranho limbo de estarmos não-tocados. É uma transição necessária, mas, não desejamos nos demorar nela mais do que o necessário, ainda que nos dias de hoje, nos pareça que muitos estão presos precisamente nessa terra-de-ninguém do isolamento pessoal. Segue-se à morte, um perturbador sentimento de irrealidade, mas, pelo processo purificador do pesar, a dádiva das lágrimas, é transformado também em uma maneira de adentrar uma mais elevada realidade. É como subir uma montanha, passando por patamares de bruma espessa. Aí se dá o inobservável alvorecer da Ressurreição. Em que preciso momento, em qualquer dia, podemos dizer que os raios do sol tocam nossos olhos e nossa pele? O sol aparece acima do horizonte diferentemente para cada um, pois o horizonte é ele mesmo apenas uma idéia, que é relativa a nossa própria posição subjetiva. A Ressurreição nos toca, tal como o fez gradualmente aos primeiros discípulos, com a consciência de que o horizonte, tudo o que limita nossa humanidade, foi superado.

Sermos tocados por Cristo é sermos lembrados de tudo o que esquecemos, sermos restaurados para nós mesmos e para o mundo real, com um significativo hábito novo. Tal como colocado no Novo Testamento, é como se fosse uma nova criação, porque tudo, tanto interna quanto externamente, se carrega com uma nova energia e um novo significado. O pior aconteceu e, não pode acontecer novamente. O que se perdeu foi encontrado e, não pode ser perdido novamente. O poder da ilusão se evapora, como a noite e, iniciamos uma jornada sem fim em direção ao dia eterno.

A meditação é, ela mesma, tal como um Triduum, ao nos levar através de diferentes níveis e, em diferentes medidas de tempo, através desse processo do mistério pascal: a ascensão da consciência para além da limitada palpabilidade do ego, em direção à universalidade do espírito onde tudo toca tudo.

Espero que, durante estes dias, você tenha a oportunidade de reservar um tempo para entrar nos mistérios que estamos prestes a celebrar, como uma comunidade em harmonia com a igreja universal, que é o novo corpo de Cristo. Espero que você tenha o tempo para sentar em momentos de quietude, com os grandes textos que levam esse significado ao longo dos séculos. E, espero que encontre um pouco de tempo extra para meditar de modo a permitir que essas experiências se desenvolvam e levem a um aprofundamento na magnificência do dia a dia.

Celebrarei a Páscoa no mosteiro de Cockfosters com a comunidade paroquial e monástica daqui e, com um grupo de meditantes que participa do retiro Triduum. À medida que o tempo e a inspiração permitirem, tentarei compartilhar com vocês e com a comunidade em geral, através do site da WCCM, algumas das palestras do retiro, a cada dia. Recentemente, recebi comunicação de nosso coordenador da ilhas Salomão, que foram pesadamente abatidas com o desastre natural. Esta é uma remota e freqüentemente esquecida parte do mundo, mas, é onde a meditação tem sido ensinada e tem formado uma forte comunidade. Portanto, em especial, mantenhamos esses nossos colegas em nossos corações e, rezemos para que, em meio a suas tribulações, eles também possam, assim como nós, sentir o mesmo toque do Cristo Renascido.

Com muito amor

Laurence

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