Arunachala






Arunachala
Laurence Freeman OSB
Janeiro de 2007
Tradução: Roldano Giuntoli

A noite da lua cheia é um período auspicioso para se realizar o pradakishna, a circunvolução ao redor da sagrada montanha de Arunachala ao sul da Índia. Espera-se que você primeiro se banhe e então caminhe com os pés descalços, com mente pura, pelos treze kilômetros em volta do cone de 800 metros que dá corpo ao deus Shiva. Não havia me banhado, não andei descalço e minha mente não estava pura. Mas, a caminhada junto com milhares de verdadeiros peregrinos, em volta deste que para mim é um símbolo da Trindade, de todo modo, me conferiu verdadeira graça. A palavra pradakishna combina diversos significados que explicam a razão universal da caminhada sagrada, aqui na Índia, do caminho de Santiago ou dos labirintos das catedrais medievais: expulsa o pecado, realiza desejos verdadeiros, destrói karma e movimenta a ação de libertação.

Meus companheiros de caminhada pareciam possuir solados de aço ou talvez estivessem andando em colchões de ar. Uma intensidade de propósito quase assustadora, uma sensação de que eles tinham certeza acerca do que estavam fazendo, emanavam deles, fossem eles caminhantes acelerados, ou passeadores, estivessem eles falando ou em silêncio. A lua cheia estava brilhando. À medida que caminhávamos em volta de sua imutável imobilidade, a montanha, assim como Deus, se revelava em perspectivas cambiantes, de maneiras intrigantes e sedutoras.

Os contrastes de luz e os efeitos sonoros ao longo da estrada dramatizavam o sagrado, sem entrar em conflito com o profano. Toda essa feira de vida é a impressionante autoridade da experiência religiosa Indiana, na qual coexistem o misticismo e a sexualidade, tal como nos símbolos genitais do lingam e da yoni dos templos Indianos, em maneiras que missionários cristãos uma vez consideraram chocantes ou pornográficas. A confusão humana da caminhada sagrada em torno do Arunachala combina comércio e preces, entretenimento e adoração, sem embaraço. Diga-me por que Eu não deveria estar aqui? Parece dizer, se você pensa que não deveria. Nesses momentos pensei em Clemente de Alexandria que dizia que nada que não esteja contra a natureza, está contra Cristo. Quiosques vendem comida e bebidas, cabines intensamente iluminadas vendem gravações religiosas e gravuras sagradas, altares pequenos para o puja ou ritual de ocasião, odores de incenso e arroz delicioso enrolado em folhas de bananeira, muitos odores menos prazerosos, devotos de determinados gurus oferecendo seus ensinamentos, lambretas abrindo caminho humildemente por entre a multidão. Não há nenhum ponto de início ou fim demarcados e nada parece ser proibido. O que finalmente você realizou, ao terminar? Caminhou ao redor de uma montanha, debaixo da lua cheia, junto com milhares de Indús religiosamente apaixonados e, um punhado de ocidentais céticos tentando agir com naturalidade. Você esteve na presença de Arunachala e você visitou seu lar.

Aquela presença acolheu peregrinos e devotos por séculos. O mais renomado dos tempos modernos foi um rapaz de dezessete anos da classe média indiana da cidade de Madurai, chamado Venkataraman, que veio a ser conhecido mundialmente como Ramana Maharishi. Em 1896, quando pela primeira vez ouviu falar em Arunachala, ele era um típico estudante de uma escola Cristã, interessado em futebol. O próprio som do nome começou a modificá-lo. Um dia, alguns meses mais tarde, sem nenhuma razão conhecida, ele foi tomado de um pavor da morte. Ele decidiu explorar o medo, deitando-se no chão como se estivesse morto e ali, em um lampejo, ele soube que o Eu era imortal. Ele se conscientizou do Ser interior e, se manteve nesse estado de consciência até sua morte em 1950. Logo após essa experiência, ele foi de trem ao templo de mil colunas de Arunachalaleswara aos pés do Arunachala. Ele se sentou na graça de sua realização, sem se preocupar com suas necessidades materiais. Em um outro mundo, ele teria sido removido por homens de túnica branca e medicado em uma cela fechada. Aqui ele foi atendido e visitado por aqueles que viam a presença que ele irradiava. A história se parece com a de São Bento, em Sacro Speco e assim como ele, ficou anos em silêncio em uma caverna antes de se tornar o centro de um Ashram. Ao contrário de Bento, Ramana não nos deixou uma regra, a não ser pelo simples ensinamento do auto-questionamento, pergunte-se sempre: quem sou eu? Mas, tal como Bento, seu legado é frequentemente dissipado pelo que tenta preservá-lo.

O dia seguinte era o do aniversário de Ramana, visitantes e eventos especiais, todos barulhentos e animados. A caverna que, como a de Bento, conserva a atmosfera da experiência original estava, inexplicavelmente, fechada. A escola brâmane do Ashram estava em férias e jovens estudantes jogavam volley de alto nível. (Ramana cortou seu cordão brâmane assim que chegou ao lar em Arunachala.) A loja do ashram estava em animado comércio.

Como se pode institucionalizar a experiência de Deus? No entanto, apesar das falhas das institições que gera, algo descontrolado e livre como o pradakishna sobrevive para dar testemunho do que algum dia se manifestou. E tal como declarou Rumi: tudo gravita em torno do que ama.

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