Meditação sobre a Morte

“Dearest Friends"
Laurence Freeman OSB
WCCM INTERNATIONAL NEWSLETTER, June 1999, pp. 4-5
Tradução: Roldano Giuntoli

É tão antinatural morrer só, quanto o é dar à luz só. A arte de morrer demanda a arte do companheirismo humano. Toda família que cuida de uma pessoa querida à beira da morte precisa aprender a diferença entre ficar ao lado da pessoa querida e, realmente estar com ela. Ficar ao lado apenas, é uma maneira de deixar a pessoa doente ainda mais ansiosa. É uma maneira de estar presente para ela, que está centrada em minhas próprias necessidades, em vez das dela. Talvez, elas possam ser necessidades perfeitamente válidas, mas, se quisermos estar verdadeiramente presentes para as necessidades de outrem, nossas necessidades precisam, ao menos em certas ocasiões, ser deixadas de lado.

Se “ficar-lhe ao lado” gera ansiedade na pessoa que deveríamos estar ajudando, isto freqüentemente se deve ao fato de que sentimos desconforto com a linguagem do silêncio. Especialmente se a pessoa doente tiver se retirado para dentro de si mesma, como muitas criaturas do reino animal também fazem, para morrer de uma maneira solitária, o silêncio é um meio de lhe fazermos companhia tão importante. Podemos não estar confortáveis com a sensação de que a pessoa que amamos tenha se isolado de nós. Poderá nos parecer rejeição ou indiferença, ou mesmo raiva a nós pessoalmente direcionada. Poderá nos fazer sentir impotentes e inúteis.

Existe, entretanto, outra maneira de estarmos junto a uma pessoa moribunda. Isto é simplesmente ser um companheiro. Por mais isolada que esteja a pessoa, ela sempre valorizará o companheirismo. Ser um verdadeiro e sincero companheiro, não se isolando quando sente que foi isolado, este é o coração da compaixão. É o resultado de aprender a estar em casa quando consigo mesmo. Ser um companheiro é dar vida à verdade de que, a solitude não é a solidão que a princípio tememos, mas, a simples condição de sermos quem Deus nos chama a ser; uma pessoa em que na sua mais profunda verdade é amada e capaz de retribuir amor.

A arte do companheirismo humano se desenvolve na oração profunda que fazemos juntos. Meditar com outra pessoa é, em silêncio, encontrar uma intimidade e um nível espiritual de amizade, que parece inexplicável em outros níveis de relacionamento. Barreiras de medo e formalidade caem quando compartilhamos o trabalho do silêncio interior. Há momentos em que, quando estamos com um moribundo, para estarmos realmente presentes para ele, dependemos de sobrepujar nossa própria auto-consciência e egocentrismo. Isto significa aprender a procurar por aquele local de pobreza, a uma distância segura e, marcar um encontro com ele para uma data futura. Gostamos de ler a respeito e, ouvir outras pessoas falar a respeito. Mas, isso é inútil, até que decidamos cruzar a fronteira da pobreza pessoalmente, saindo da terra da ilusão e, entrando no reino da realidade. Se pudermos fazer isso por iniciativa própria e, livremente, saborearemos as alegrias do reino de Deus nesta vida.[...]

Todos, entretanto, estão em um estágio diferente de aceitação e negação. A morte desafia cada pessoa, que esteja sob sua influência, a encarar a realidade de sua própria maneira... Lentamente, à medida que a necessidade da morte se aprofunda, alcançamos um paradoxo peculiar. Se estiver visível no moribundo poderá haver grande paz e alegria à sua volta. É o paradoxo de amar a vida apaixonadamente, sendo capaz de dizer com todas as fibras do seu ser: “Sim, é claro que quero viver”, enquanto estamos, com igual intensidade, prontos a largar tudo, quando chegar o momento. Quando essa suprema paciência e consciência são alcançadas, o tempo cessa. E, todos que estiverem unidos pelos laços do amor, presentes uns aos outros como companheiros na dura e doce peregrinação da vida, compartilham o bálsamo curativo do momento presente.

Quando o tempo assim cessa sabemos que o tempo foi bem dispendido. As horas restantes se tornam intensamente significativas e, são lembradas por aqueles que ficam, para o resto de suas vidas. Talvez seja por isso que os evangelhos sejam unânimes em dedicar tanto espaço aos últimos dias e horas com Jesus. A arte de morrer é sempre mostrada, de fato, como a arte do bem viver. Se a aprendermos, compreenderemos quão profundamente , através da aceitação da dádiva de liberdade, estamos a todo momento envolvidos com o trabalho de nossa própria criação. Preparar-nos para a morte não é mais visto como o trabalho de nossas últimas poucas semanas (e horas), mas o próprio trabalho da consciência.

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