Patoral Carcerária & Meditação






Laurence Freeman OSB
Junho de 2006
Tradução: Roldano Giuntoli

A prisão se localiza na fornalha do verão do San Joaquin Valley que (sou informado e acho difícil acreditar) produz um quarto do alimento mundial. No entanto, ao aproximarmo-nos dali, o que se vê é um assustador oasis sem verde, tal qual uma usina de energia nuclear, ou uma fábrica de armas, transmitindo tanto aos prisioneiros, quanto aos visitantes, a mensagem de que não há necessidade de beleza num local de punição.

Os duros cubos brancos, atrás das cercas de arame farpado eletrificadas e, a sequência de eclusas fechadas para a verificação da segurança, operadas por funcionários que tanto pareciam entediados, quanto inseguros, alojam 13.000 almas humanas. Irmã Christine tem um dos dois cargos de capelão Católico que cuidam dessa metrópole de sofrimento. Ela mesma, ao redor de setenta anos, com problemas de mobilidade, mas, com compaixão alegre e transparente, se locomove de pavilhão em pavilhão através de um carrinho de golfe. A prisão ficou fechada por vários dias, o que significa que os prisioneiros ficaram confinados a suas celas após um conflito racial que acabou resultando em uma morte por esfaqueamento. Sentimo-nos como se em visita a uma escola enquanto as aulas estão em andamento. Ir. Christine havia, entretanto, operado um milagre ao convencer o tenente Brown a liberar o grupo de meditação que eu viera visitar. “Nunca havia acontecido antes”, ela diz, por isso, primeiramente vamos visitar o tenente para agradecê-lo. Ele emerge de um escritório sem alma, um ex-fuzileiro naval, baixo, musculoso, fazendo tilintar armas, algemas, sprays, cassetetes e, é claro, chaves. Ele parece ser um homem muito cortês e perceptivo, com mais do que um simples toque de bondade humana. Falamos de prisões e prisioneiros e, ele diz que muitos deles se tornaram muito vis à época de serem encarcerados e, entendo que, apesar de ser apenas um homem, ele é do tipo difícil de ser enganado ou passado para trás. Ainda que, ele adiciona com cuidado, eles estejam endurecidos ao extremo, não foi assim que eles iniciaram suas infelizes vidas. Pergunto-lhe como é que ele aparentemente consegue se manter aberto e humano depois de 18 anos atuando como uma autoridade da segurança máxima e, ele me fala de seus filhos e da vida que ele leva lá fora. Seria muito assustador trabalhar ali e não possuir nenhuma realização humana.

Rob, que ainda tem mais sete anos a cumprir, está para realizar sua oblação final como oblato Beneditino da Comunidade Mundial de Meditação Cristã. Ele tem estudado a Regra nos últimos dois anos, para que possa entender como sua vida, tanto na prisão, como depois, poderá ser melhorada pelos preceitos de obediência, conversão e estabilidade. “Não há, de todo modo, nenhum problema aqui com estabilidade”, ele ri. Ele tem trabalhado muito na sua cura e na sua vida interior e, é evidententemente firme seu comprometimento para com a prática diária de meditação, que lhe proporciona uma paz e alegria visíveis, em meio a sua provação. Converso com ele isoladamente acerca de sua oblação, enquanto os cerca de 30 outros encarcerados, que meditam regularmente, são reunidos em uma sala adjacente. Assim como ele, eles são o fermento da contemplação em um local onde é difícil rezar, pois é sempre difícil rezar quando sua própria humanidade está ameaçada. No entanto, esse é o problema para muitas pessoas, do mundo exterior, que são informadas vezes sem fim acerca do quão livres elas são. Aqui, onde a liberdade individual é tolhida pela brutalidade de uma instituição totalitária, aparece, em algumas pessoas abençoadas, essa qualidade de liberdade diferente e mais sutil.

Nossa palestra precedendo a meditação conjunta é uma conversa sagrada, aberta e confiante, tal como deve ter sido a dos padres do deserto quando se reuniam para se encorajar uns aos outros e, tal como poucos mosteiros conseguem freqüentemente em sua vida comunitária. Aprendo mais do que posso ensinar, mas, eles também formam um maravilhoso grupo atento e motivado, com quem falar. (Ao contrário das duas pessoas livres sentadas na fila de trás da Igreja, para quem estarei falando dentro de poucos dias, que passam toda a palestra cochichando e rindo-se de suas mensagens escritas.)

Após a meditação cantamos, a partir do coração, um hino conduzido por dois ou três que formam a sua schola monástica. A reunião se prolonga um par de horas, mas, pelo fato de todos os outros estarem confinados, ninguém parece se dar conta que ali estamos. Até tiramos algumas fotos proibidas, quando Rob declara sua oblação, em uma cerimônia assistida por todos. Não há coreografia no ritual. Os homens todos repetem em voz alta a renovação das promessas batismais que a antiga profissão monástica incluía, pois foi visto como um tipo de segundo batismo. “Senhor como é bom para nós estarmos aqui” ouço fluindo em minha mente. É muito estranho onde e quando o reino aparece. Escapa ao ensandecimento do controle desumano dos sistemas de poder, sejam eles religiosos, políticos ou militares. Surge inesperadamente dentre os oprimidos. Por um momento, sinto algo que quase parece inveja, mas, que realmente só deve ser gratidão.

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