Laurence Freeman OSB, The Tablet Setembro 2012


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Manaus

Nada dura para sempre 
e a maior parte das coisas não dura muito tempo.

Eduardo Gonçalves Ribeiro tinha uma personalidade tropical. Nascido de mãe escrava na Amazônia, foi duas vezes governador do novo estado brasileiro do Amazonas, cuja constituição ele elaborou com base em princípios democráticos e positivistas que confrontavam a interferência da Igreja em assuntos seculares.

Visitou Europa e sonhou transformar sua capital Manaus na “Paris dos Trópicos”. Nunca se casou: o trabalho era sua vida.  Ele surfou a grande onda do ciclo da borracha no Brasil do fim do século XIX e os grandes edifícios da Manaus moderna, hoje muito dilapidados, especialmente o famoso Teatro da Ópera, testemunham a marca deixada por sua personalidade tão fértil na cidade.

Ribeiro governou um diminuto mundo humano, que espelhava a vegetação impenetrável e o reino animal altamente colorido que fervilhava ao seu redor por todos os lados. As surreais fantasias de carnaval parecem refletir a divina imaginação que se vê em ação nas cristas dos pássaros e a beleza do interior das asas das borboletas, que conseguem desarmar os corações. Dentro dessa selva desenfreada, Ribeiro abriu um espaço humano para sofisticados restaurantes, parques e jardins, hipódromos, praças de touros e grandes edifícios públicos. A cidade queria imitar o mundo europeu, mas tanto antes como agora parece estar mais próxima da selva a cuja soberania se opôs, mas da qual também dependia. A euforia do ciclo da borracha, como a da cidade de Londres dos anos noventa, foi frequentemente insana. Os barões da borracha, não muito diferentes dos ladrões de banco, acendiam seus charutos com notas de 100 dólares, regavam seus cavalos com champanhe e mandavam a roupa para lavar em Paris. Suas esposas sufocavam em casacos de pele quando iam à ópera, construída com materiais importados da Escócia e da Itália.

Tudo por causa de um líquido branco pegajoso que escorre facilmente de um corte feito na casca de uma árvore na selva. Os povos indígenas há muito utilizavam suas propriedades elásticas, mas Charles Goodyear refinou o processo de produção e deu ao mundo os pneus de borracha em que ele roda hoje em dia. Fiéis à sua nobre história de pirataria patriótica, os ingleses foram responsáveis pela derrocada do sonho de Manaus. Em 1867, Henry Wickhamn – mais tarde elevado ao título de cavaleiro do reino pelo sucesso em sua missão – seguindo as instruções do diretor dos Reais Jardins Botânicos de Kew, contrabandou sementes da seringueira Hervea brasiliensis. Por volta de 1920, noventa por cento da borracha do mundo vinha de plantações britânicas na Ásia.

Assim como fazem os economistas hoje, empreenderam-se esforços desesperados para evitar o colapso inevitável da breve glória da Amazônia. Ribeiro deve ter visto o fim chegando. Um dia, em 1900, aos 38 anos de idade, foi encontrado enforcado em seu escritório, sentado em sua cadeira de balanço. Dizem que as vozes que ele sempre ouvia gritando em sua cabeça devem ter-se tornado insuportáveis. Ninguém pode sequer pairar sobre as margens de sua vida extravagante, embora estranhamente solitária, sem o tipo de encantamento e gratidão pela vida que se sente navegando o poderoso Amazonas numa canoa, ou abrindo seu caminho poucos metros adentro na densa floresta. Ao adormecer em uma clareira duramente conquistada, você fica imaginando se até a manhã seguinte a selva não irá se movimentar fechando-o numa armadilha.  Como Ribeiro descobriu, na selva onde nasceu ou na clareira urbana que abriu, a vida, uma vez libertada, só pode ser vivida, mas não controlada.

Ribeiro cometeu muitos erros na medida em que deve haver muitas sementes que foram abandonadas sem brotar na imaginação da selva que se autorrproduz infinitamente. A autoconfiança e a arrogância vazias não foram os menos importantes deles, como todas as tentativas imperiais de dominar a natureza, que acabam se embriagando no elixir da fantasia de uma eterna era de sucesso. Nada dura para sempre e a maior parte das coisas não dura muito tempo. Mas ao contrário de animais ou vegetais em seus ciclos exuberantes, os seres humanos negam a morte, convencendo-se de que aquilo que criam pode vir a ser, talvez, nada menos que imortal. A floresta e as curvas mais longas da história repetem a única lição imortal: que a vida é cíclica e que seus ciclos dependem de quedas, pontos baixos e do alívio provocado por uma dissolução periódica.
Apesar de sua queda, Manaus ainda está lá, dando as boas vindas aos que vêm para a Amazônia. O que nos consola da dor da estupidez humana é o que a ecologia da floresta demonstra por sua mistura entre vida e morte, decadência e regeneração. Aqui você trilha as evidências de como as piores falhas servem de sedimento para a nova onda de vida sobre a qual não temos controle. Este momento de impotência no processo da vida é a nascente da fonte da criação, como a última ponta de terra onde o rio se torna a cachoeira que cai centenas de metros até encontrar um novo canal em que possa fluir. (Escute a última sonata para piano de Beethoven para ouvir isso).

Talvez esta esperança paradoxal no ciclo da vida tenha sido uma das vozes intoleráveis competindo pela atenção de Ribeiro no final. Talvez ele tenha, como a maioria de nós, se afastado demais da floresta para ouvir sua lição.  

Laurence Freeman OSB

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