Bede Griffiths 1906-1993

Bede Griffiths foi um monge Beneditino, nascido na Inglaterra e educado em Oxford. Depois de 20 anos como monge na Inglaterra, ele foi para a Índia para encontrar “a outra metade de sua alma”. Esta palestra foi extraída do conjunto de palestras que ele proferiu no John Main Seminar de 1991. Essas palestras exploram a tradição da meditação cristã e relacionam-na com as grandes tradições orientais. Pe. Bede mostra como a jornada interior pode contribuir para a unidade espiritual. Ele faleceu na Índia em 1993.






A Unidade além da Dualidade
Tradução: Roldano Giuntoli

Nossa meditação nos expõe a profundas feridas em nossa natureza e, nos força a encarar o sofrimento da humanidade, desde o início dos tempos. Ela cultiva a compaixão e, isso por sua vez precisa se expressar como compaixão em nossas vidas.

Precisamos superar a dualidade da mente consciente, que nos separa de Deus e, uns dos outros e, compreender que, em Cristo, essa dualidade foi superada. Vocês sabem, o pecado original é uma queda em direção à dualidade. O ser humano original foi criado para ser unificado em corpo, alma e espírito e, assim estar aberto a Deus. A queda da humanidade é a queda do espírito à psique, o que vale dizer, ao ego, ao eu separado. Em lugar de nos abrirmos constantemente a Deus no espírito, caímos em nosso ego, e nos fechamos no medo e na luta, para nos auto-preservarmos. Cristo veio para nos libertar dessa dualidade. Uma vez que você cai em direção à psique, tudo se torna dual, o bem e o mal, certo e errado, branco e preto, consciente e inconsciente, mente e matéria, sujeito e objeto, verdade e erro. A mente racional dualiza tudo. Ela enxerga tudo em termos de pares de opostos.

Porém, sempre, além do dualismo da mente, está o espírito unificador. A meditação nos leva além das dualidades, em direção ao espírito unificado. Jesus é aquele que rompeu a divisão em nossa natureza. São Paulo nos diz que ele “destruiu a muralha divisória”. No Templo, em Jerusalém, havia uma muralha que nenhum gentio podia cruzar. Caso o fizesse, ele seria executado. Era para os judeus, o povo escolhido. Essas pessoas ficavam de fora. Jesus destruiu essa muralha divisória, franqueando o Templo a toda a humanidade. Todavia, nós construímos todas essas muralhas novamente, dividindo o mundo e, é claro que este tem sido o nosso problema.

Jesus destruiu a muralha divisória, como diz São Paulo e, isto é a hostilidade dentre nós e, reconciliou-nos em um corpo na cruz. Necessitamos, hoje em dia, levar a sério essa visão de que a humanidade é um corpo, um todo orgânico. Os Padres possuíam esse forte sentimento do Adão que está em toda a humanidade. São Tomás de Aquino, numa bela frase, nos disse: Omnes homines, unus homo, todos os homens são um homem, um todo orgânico. Somos todos membros deste único Homem, que caiu e se dividiu em conflitos e confusão. E Jesus restaurou a humanidade, não apenas judeus ou cristãos, ou qualquer grupo em particular, mas, a humanidade, a essa unicidade, o novo Adão, a raça humana consciente de sua unidade fundamental e de sua unidade com o cosmos. Isso é o que hoje estamos recuperando. Estamos começando a redescobrir a humanidade que nos é comum. A televisão, que traz os eventos de todas as partes do mundo para tão perto das pessoas, está nos ajudando a compreender que as coisas que acontecem no Iraque e em outros lugares, são parte de nossos próprios problemas. Enxergamos a humanidade como parte de um todo cósmico. Somos todos parte deste planeta, moldados por ele e, estamos crescendo e vivendo a partir dele. Somos todos partes uns dos outros, estamos crescendo através de contatos uns com os outros, assim como, um todo orgânico. Estamos recuperando essa unidade, além da dualidade, por direito de nascimento.

Em nossa tradição hebraica, a dualidade é muito forte. Penso que a humanidade teve que passar pelo dualismo, para aprender a diferença entre o certo e o errado, o bem e o mal, a verdade e o erro. Você precisa passar por esse estágio de separação e divisão, porém, então, você precisa transcendê-lo. O Velho Testamento geralmente reflete essa dualidade: eram sempre os israelitas que eram o povo sagrado e, de fora ficavam os gentios, que deveriam ser rejeitados. Os bons deveriam ser separados e os maus condenados. Esse dualismo permeia toda a tradição judaica.

Jesus é originário dessa tradição judaica e, freqüentemente se utilizava de sua linguagem de rejeição e condenação, ainda assim, ele ia sempre além dela e, nos levava ao ponto onde transcendemos todas as dualidades. Há uma maravilhosa expressão disso no evangelho de São João: “afim de que todos sejam um. Como tu, Pai, estás em mim e eu em ti, que eles estejam em nós” Jesus é completamente um com o Pai, ainda assim, ele não é o Pai. É uma relação não dual. Não é um e, não é dois. É um mistério de amor. O amor não é um e, não é dois. Quando duas pessoas se unem no amor, elas se tornam uma, ainda assim, mantém sua distinção. Jesus e o Pai possuíam essa completa comunhão em amor e, ele nos pede para nos tornarmos um, assim como ele é um com o Pai, unicidade completa, no ser não-dual do Pai. É o chamado cristão, para a recuperação dessa unidade.

Na Índia, essa idéia da não-dualidade, advaita, é fundamental. A tradição indiana possui esse sentido de se ir além das dualidades. Os cristãos de nossos dias podem aprender muitas coisas da tradição indiana e, particularmente, esse entendimento do advaita, a não-dualidade. O cristianismo desenvolveu, a partir de Israel, uma tradição de dualismo. Atravessou a cultura greco-romana, que também era dualista, de um modo diferente e, assim continuou. Porém, hoje estamos nos encontrando com as religiões da Ásia e, estamos começando a descobrir o princípio da não dualidade. É o chamado fundamental da humanidade.

A não-dualidade não é um e, não é dois e, não é racional. A mente racional requer que tudo seja um ou dois, enquanto que a não-dualidade, que está além do racional, afirma uma relação que não é um e, não é dois. Somente através da meditação passamos além dessa dualidade. Estamos sendo chamados a recuperar a unidade, além da dualidade, que é nosso direito por nascimento e que, só ela, pode atender a mais profunda carência da humanidade hoje.

Tenho planos para um livro sobre as Escrituras do mundo, para ser lido por cristãos e outros, no qual eu tente mostrar que toda religião, hinduísmo, budismo, taoismo, islamismo, judaísmo e cristianismo, todas elas possuem um elemento dualístico, a partir do qual começam e, todas elas se dirigem a esse não-dualismo. Judaísmo e islamismo são especialmente dualistas em suas escrituras, tendem a sempre ser dualistas e, podem ser repletas de terríveis acusações a não-crentes e, descrições de sua condenação e punição. Este é um estágio da religião, que não devemos rejeitar, que as pessoas tem de atravessar. Os sufis dos séculos oito e nove, no Islam, foram além, direto para o não-dualismo e, o não-dualismo sufi é exatamente similar ao não-dualismo indiano, assim como o não-dualismo de mestre Eckhart, de nossa tradição cristã. Toda religião, através de sua tradição mística, vai além do dualismo, para o não-dual. Este é o nosso chamado, ir além do dualismo.

A meditação é o único caminho, para se ir além do dualismo. Quando a mente cessa, você descobre o princípio unificador por trás de tudo. Esta é nossa verdadeira esperança e, nosso chamado. Isto é importante e, penso que no movimento da meditação Deus está nos conduzindo e, à humanidade através de nós. É um chamado que percorre todo o mundo. Por toda parte, pessoas estão se encontrando, descobrindo esta carência e atendendo-a, nos diferentes caminhos da meditação.

Estamos todos sendo chamados a abrir nossos corações ao mistério não-dual da Santíssima Trindade. Não é um, não é um Deus assim. É a comunhão de amor. Aquela é a Realidade não-dual. Assim, aquele é o nosso chamado hoje.


Om.
Saha Nāvavatu.
Possa Ele proteger-nos juntos
Saha Nau Bhunaktu.
Possa Ele proteger-nos (revelando conhecimento).
Saha Viryam Karavāvahai.
Possa Ele nos conceder os resultados do conhecimento.
Tejasvināvadhitamastu.
Possamos obter vigor, juntos.
Mā Vidvishāvahai.
Que nosso estudo seja revigorante.
Om. Śāntih. Śāntih. Śāntih.
Possamos nunca hostilizar um ao outro.Om. Paz. Paz. Paz.)

(Mantra do Katha e Śvetāshvatara Upanishads)

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