Outono






Outono
Laurence Freeman OSB
Outubro de 2006
Tradução: Roldano Giuntoli

Tendo nascido em uma pequena ilha superpovoada, congestionada, pavimentada e irritadiça, as imensidões das Américas sempre foram, para mim, motivo de alívio e fonte de revelação, locais para enchermos os pulmões. Durante o outono no leste canadense, as bordas das matas tornam-se de uma beleza impossível, quase sem gosto, quando as árvores silenciosamente transformam-se em ondulantes correntezas de cores escarlate, amarelo cromo, ouro velho e marrom. Montanha após montanha, o grito se torna um côro, uma demonstração de alguma causa intensa, mas, misteriosa. Nisso parece haver uma última e desesperada afirmação, um apelo da beleza e da significação, antes que os ventos e o gelo façam com que tudo caia em um silêncio longo e estéril. Durante o curto e quente verão você dificilmente sequer se dá conta da folhagem, mas, a morte te faz prestar atenção aos detalhes e, então, quanto mais você observa, mais você enxerga.

Foi na Nova Escócia que primeiro ouvi falar da Vigilância Seton (Seton Watching), um método de se estar na natureza, atribuído ao naturalista britânico, Ernest Thompson Seton, que foi um pioneiro da ficção animal, bem como, o fundador do escotismo nos Estados Unidos. Em 1880, ao sair de sua cidade natal, Durham, chegando ao Canadá, ele imediatamente desenvolveu um amor pelas matas e bosques e, uma paixão pelos lobos, que iriam durar por toda sua vida. Em sua função de educador, o Black Wolf (Lobo Negro), como costumava se chamar a si mesmo, levava jovens para longe da cidade, fazendo-os ficarem sentados nos bosques,completamente imóveis, por cerca de vinte minutos, sem nada fazerem, a não ser, escutar e observar intensamente. A imobilidade atraía os animais selvagens, que se aproximavam e, as pessoas se tornavam, através da vigilância, parte da natureza circundante. “No bosque, o vigilante silencioso enxerga mais”, ele escreveu em seu livro “Birch Bark Roll of the Woodcraft Indians” acrescentando, de um modo menos contemplativo, “A grande dificuldade da observação está em como passar o tempo”.

Alguns dias depois, em Quebec, Eu estava passando meu tempo relaxadamente ao observar a peça teatral das cores outonais que se desenvolve para algum clímax oculto. Os bosques estavam em um estado de suspense e maravilhamento, ainda que o fim da sessão, caso pensasse a esse respeito, fosse óbvio. Seria o mesmo final de todos os anos. A glória deste mundo iria gradualmente desaparecer e os galhos logo estariam secos. Eu estava em meu quarto, no centro de retiros, mas, meus dois amigos, que estavam no retiro, passaram pela minha janela, caminhando no silêncio confortável e sem pressa de seu longo casamento, pelo caminho que levava aos bosques. Eles haviam acabado de me dizer que as boas notícias que haviam comemorado comigo alguns meses antes, de que ela não sofria do mal de Parkinson, haviam sido cruelmente desmentidas. Os exames haviam sido refeitos, após o recrudescimento dos sintomas, e, agora eles sabiam que ela sofria daquele mal. Eles haviam começado a estudar a doença.

A morte das folhas atrai e magnetiza a atenção. Ao morrerem, a clorofila, que pigmenta o verde, decai rapidamente. O caroteno amarelo também acaba, mas, mais lentamente e, adicionam-se as antocianinas vermelhas, como se fossem novas criações, de curta longevidade, no processo da morte. Assim se dissolve o verde familiar das folhas, para revelar o subjacente amarelo e, depois os vermelhos e os marrons e os dourados são expelidos também. É o encurtamento dos dias do ano, a abreviação da luz, que faz com que as árvores se preparem dessa forma para a dormência do inverno.

O casal se agasalhou, desafiando os primeiros dedos do inverno canadense, caminhando vagarosamente de braços dados, ele um pouco mais baixo que ela, para dentro dos bosques, para dentro das cores. Uma das frases de Rumi nos diz que o amante de Deus deveria rezar para ser colorido com as cores de Deus. Quando, alguns momentos atrás, havíamos conversado, em meio às lágrimas, a respeito das notícias médicas, eles estavam liquidados, Eu os vira como dois párias, abençoadamente juntos, ao menos, mas, mesmo assim, deserdados, tocantemente infantis, surpresos pelo revés, desamparados, todavia, já se adaptando a uma nova realidade. Uma grande selva de solidão se abria à sua volta, que eles começavam a conhecer e compreender, somente por estar nela. As cores de Deus começavam a se tornar mais fortes neles. Não poderia haver nenhuma resistência. Eles teriam que se sentar e observar as cores aumentarem e, esperar pelo cair das folhas. Na missa, depois do pôr do sol, todos rezamos junto com eles, ungindo-os e abençoando-os para a estação da vida na qual estavam adentrando. Se a fé, ao encarar a mortalidade, possui cores, ela deve ser como a gloriosa paleta de cores do outono canadense.

Haverá menos folhas nas árvores quando você estiver lendo isto, do que quando Eu o escrevi. Toda folha caída deixou uma cicatriz no ramo ao qual ela uma vez esteve ligada. Próximo à cicatriz da sua perda, já há um pequeno botão, do qual novos brotos e folhas devem surgir.

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